Entrevista R&J Shakespeare

Foto: Lucas Formiga/FestiArte

No segundo dia de apresentações do espetáculo R&J Shakespeare - Juventude Interrompida, os atores Pablo Senábio, Felipe Lima, Rodrigo Pandolfo e João Gabriel Vasconcellos conversaram com a equipe do Blog FestiArte e contaram um pouco sobre a experiência de trazer Shakespeare para um contexto contemporâneo. A entrevista, na íntegra, você confere abaixo:


FestiArte: Romeu e Julieta é um texto de quase 500 anos, uma tragédia clássica reproduzida inúmeras vezes em todo o mundo. Como o grupo avalia o desafio de interpretar esse texto tão antigo e com tamanha quantidade de montagens anteriores?

Pablo Senábio: É sempre instigante fazer Shakespeare com a sua cara. É sempre desafiador pegar um clássico, que já foi feito inúmeras vezes no mundo inteiro e no Brasil, e ver qual vai ser sua ótica, o seu recorte dessa montagem. Foi isso na verdade que instigou todos a participarem do projeto e ao João Fonseca também. A gente queria fazer um Romeu e Julieta que fosse diferente e que não fosse trivial.
Essa peça é focada no ator, e nós buscávamos isso, como profissionais. Um projeto em que se mostrasse versatilidade, tanto de ator quanto de direção.


FestiArte: O espetáculo é muito dinâmico e despojado. Exige muita movimentação, mas paralelamente não exige tanta rigidez, o que dá a impressão de que se têm certa liberdade no palco para criar coisas novas e até mesmo improvisar. Como é para o ator lidar com esse despojamento e com essa dinâmica em cena?

Pablo Senábio: Eu acho que uma das boas repercussões da peça se deve justamente a isso. A gente faz Shakespeare de uma forma despretensiosa. Não tem que ser de uma forma impostada, o texto dito de forma dura. Eu acho que isso facilita que o público entre na história.

Rodrigo Pandolfo: Nós não temos que acertar e isso é muito interessante. A gente descobriu que não precisa, necessariamente, acertar. O fato de a gente ter a possibilidade de comentar a cena justifica tudo. É uma peça dentro da peça.


FestiArte: O cenário é relativamente simples, ambientado em uma sala de aula. Os objetos de cena, que ganham múltiplos significados ao longo das cenas, ao mesmo tempo em que dão um ar dinâmico e engraçado, ressaltam o fato de a montagem ter caráter simplista. Como surgiu a ideia de interagir com esses objetos, de tranformar uma régua em uma espada?

Pablo Senábio: A proposta é justamente essa, mostrar para o público teatro na frente deles. Se é uma sala de aula, não tem porque a gente ter uma espada lá dentro. E é exatamente isso que é legal, se a gente coloca para o público o símbolo, de que a régua é uma espada, de repente, quando a régua entra fazendo uma espada, o público já entendeu, e compra a história. Como acontece com os dois meninos de Romeu e Julieta, no começo tem um estranhamento.

Felipe Lima: Mas é só porque são dois homens fazendo Romeu e Julieta, depois o público já embarca na história.


FestiArte: Mais de 10 personagens da versão original são representados por 4 atores. Todos eles são muito intensos e exigem mudanças rápidas. Tendo em vista essa rotatividade, como se deu o processo de criação de cada personagem?

Rodrigo Pandolfo: A distribuição dos personagens já era pré-concebida no texto, já se sabia que quem fosse fazer a Julieta, faria o Benvólio e quem fosse fazer o Mercucio faria a mãe. Mas a gente não sabia, nas leituras, quem ia fazer o quê, a gente foi experimentando. Foi uma grande brincadeira. Quando cada um pisou no pé daquele personagem que chegou pra gente, foi muito intenso.
Quanto ao processo de construção, é engraçado. A gente sempre se preocupou muito em não representar. E sim em, simplesmente, jogar ou ser aquilo, e levar a tona, para mostrar aquele texto da forma mais verídica e real possível, até mesmo para a gente. Nosso exercício, durante a construção trazer para si cada personagem. Algumas pessoas costumam dizer que o personagem ‘baixa’, mas não tem isso, é você quem está fazendo, então como é você dentro daquela situação?
A proposta foi uma construção bem de dentro para fora, principalmente, para quem fez os personagens femininos, por que com eles é muito fácil cair numa espécie de caricatura e a ideia não era essa.


FestiArte: A peça tem texto original de Joe Calarco e obteve bastante sucesso em montagens no exterior. A tradução é de Geraldo Carneiro, e há, nela, muito de brasilidade. Como se deu esse processo de montagem, principalmente quanto à direção do João Fonseca. Essa é uma experiência diferente para vocês, por esse texto tão peculiar?

Rodrigo Pandolfo: A experiência é maravilhosa. Nós somos apaixonados pelo João. Eu e Pablo o conhecemos na escola, já havíamos trabalhado com ele em uma montagem dentro dessa escola. Nós temos uma intimidade, de anos, com o João. Estar dentro de uma sala de ensaio com João Fonseca é a mesma coisa que estar com um amigo brincando de fazer teatro. Não tem essa distância entre o ator e o diretor. Ele muito generoso e simples na maneira de ser e de se relacionar com as pessoas. É simples-grandioso, ao mesmo tempo. Simples-grandioso, com hífen mesmo.

Pablo Senábio: Ele tem sabedoria. Já dirigiu muitas coisas e sabe que não precisa ficar se auto-afirmando como diretor. Na verdade, ele pede que cada um mostre como pensa que seria a cena. E ele vai entrando, aos pouquinhos, e quando você vê, ele dirigiu a cena. O mais maravilhoso é que ele te deixa livre para criar.


FestiArte: Pode-se dizer que dessa liberdade surgiu muito do dinamismo e entrosamento que existe entre o grupo no palco?

Rodrigo Pandolfo: Exatamente. Foram coisas que aconteceram na sala de ensaio. Foi muito através do nosso jogo e da nossa relação, experimentando-brincando. Às vezes a gente queria fazer algo mais mirabolante. A gente sempre dá um exemplo: o Pablo teve a ideia de fazer um véu de clipes para a Ama, que seria maravilhoso, mas o João disse que seria mirabolante demais, por que seria mentir que se teve tempo para fazer esse véu, quando não se teve.


FestiArte: Qual é o limite desse espaço para a criação e o improviso?

Rodrigo Pandolfo: Chegou-se à conclusão que a peça é dividida em dois atos. O primeiro ato nos traz várias possibilidades de improviso e de comentário. Então, até determinado limite, podemos interferir na cena, errar, parar, voltar e tecer algum comentário que seja crível. A partir do momento em que o segundo ato, ou seja, a tragédia real começa a se instaurar, a ideia é contar Romeu e Julieta e fazer o possível para que o público esqueça que são quatro estudantes e entre nessa história. É quando se deixa de comentar e de criticar.

João Gabriel Vasconcellos: Até mesmo os nossos comentários surgiram das cenas já trabalhadas por nós. Se você for ver a peça novamente, vai perceber que os comentários que a gente criou durante o processo são os mesmos de ontem e de hoje.

Pablo Senábio: A peça é viva. Podem acontecer várias coisas. E, se acontecerem, a gente vai aderir isso ao espetáculo, mas assim, a gente não cria coisas novas todos os dias. Não é uma peça de improvisação.

Rodrigo Pandolfo: A maioria das coisas que foram criadas, como os comentários, foram em sala de ensaio, com o João limitando. Mas uma ou outra coisa acontece de vez em quando. Ontem [24/01], por exemplo, o espetáculo parou, em um momento, logo no início. Era um momento engraçado, o público começou a rir muito. Aquilo ali é raro, normalmente não acontece, assim como outras coisinhas, mas a gente procura não manter esses momentos, para que o espetáculo não fique muito recheado de excessos.


Rodrigo Pandolfo como Julieta, Benvólio e Frei João. Pablo Senábio como Ama, Teobaldo e Frei Lourenço. João Gabriel Vasconcello como Romeu e Sr. Capuleto. Felipe Lima como Mercucio e Sra. Capuleto. Outros personagens são interpretados pelos quatro atores simultaneamente.

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